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segunda-feira, 27 de agosto de 2012

COMO DEVE SER ENTREGUES OS TRABALHOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA 2012

ATENÇÃO QUERIDOS ALUNOS O MODELO DE COMO DEVER SER ELABORADO O RESUMO, PARA NOTA DA EDUCAÇÃO FÍSICA DO MÉDIO ESTA NO LINK

http://bsjoi.ufsc.br/files/2010/09/Modelo_de_trabalho_academico.pdf


MUITO OBRIGADO AGUARDANDO OS TRABALHOS NAS MÃOS DA COORDENADORA ANDREIA O MAIS RÁPIDO POSSÍVEL !

Trabalho educação física 2012 ( 2º trimestre )

Trabalhos ensino Médio ( Educação Física 2012 2º trimestre ) ***RESUMO***

O resumo  é para ser entregue nas mãos da Coordenadora Andrea o Mais rápido possível !


http://www.scielo.br/pdf/pp/v19n1/a17v19n1.pdf


Lembrando que o modelo de como deve ser entregue o trabalhdo esta postado no BLOG ou no endereço

http://bsjoi.ufsc.br/files/2010/09/Modelo_de_trabalho_academico.pdf 

***  Por gentileza entreguem o mais rápido possível ***



Pro-Posições, v. 19, n. 1 (55) - jan./abr. 2008

A significação nas aulas de Educação Física: encontro e
confronto dos diferentes “subúrbios”1 de conhecimento
José Carlos Rodrigues Júnior* e Cinthia Lopes da Silva**

Resumo: Este trabalho propõe reflexões sobre a significação nas aulas de 

Educação Física

escolar e sobre a ação didática direcionada ao encontro e ao confronto de conhecimentos. Para
isso, basear-nos-emos em situações de ensino que compõem nossa experiência como professores
de Educação Física e em referenciais teóricos provindos das Ciências 

Humanas. Os alunos
chegam à aula com certo entendimento a respeito dos elementos da cultura corporal; o professor,
por meio de sua ação pedagógica, pode provocar confrontos com tais conhecimentos, com o
intuito de levar os jovens a identificar e compreender os temas estudados, de maneira
sistematizada. Nesse processo didático, a significação é elemento fundamental a ser considerado
para uma mediação que vislumbre a revisão de idéias e de valores.

Palavras-chave: Educação Física escolar; didática; conhecimento; significação.

Abstract: This work proposes reflections on the signification of Physical Education in the
school environment and on the didactic action directed to the meeting and confronting of
knowledge. For such, we will base ourselves on teaching situations that compose our experience
as Physical Education teachers and also on a theoretical frame of reference from the Human


Sciences. The students arrive in class with some amount of knowledge concerning the elements

of body culture; the teacher, through her pedagogical action, may challenge such knowledge,
intending to lead the students to identify and understand the studied subjects, in a systematized
way. In such a didactic process, signification is a key element to be considered for a mediation
that glimpses the revision of ideas and values.
Key words: Physical Education at school; didactics; knowledge; signification.

Introdução
Nas reflexões apresentadas, buscamos esclarecer questões relacionadas à
significação nas aulas de Educação Física e à ação didática direcionada ao
* Mestrando na Faculdade de Educação Física da Unicamp. Bolsista CNPq. Membro do Grupo de
Estudo e Pesquisa Educação Física e Cultura (GEPEFIC). rodriguesjcrj@hotmail.com
* * Doutoranda na Faculdade de Educação Física da Unicamp. Bolsista CAPES. Membro do Grupo
de Estudo e Pesquisa Educação Física e Cultura (GEPEFIC). cinthialsilva@uol.com.br

1. Termo utilizado por Geertz (2003) para referir-se aos diferentes sistemas culturais.
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encontro e ao confronto de conhecimentos entre professores e alunos. Para isso,
basear-nos-emos em situações de ensino que compõem nossa experiência como
professores – atuação com gestores da escola, com alunos da Educação Básica e
em cursos de graduação e especialização em Educação Física –, fundamentandonos
em referenciais provindos das Ciências Humanas.
O lidar com saberes que os alunos já possuem é, para nós, um trabalho
didático constante. Se, por um lado, os alunos chegam às aulas de Educação
Física escolar ou aos cursos destinados ao processo de formação de professores e
gestores da escola com certas referências sobre temas específicos da área, por
outro, é fundamental a mediação pedagógica para a construção de conhecimento
sistematizado, de modo a gerar condições para a produção de múltiplos sentidos
para os temas estudados. A ação didática que permita o encontro e o confronto
de conhecimentos entre professores e alunos pode favorecer a troca de saberes
entre tais sujeitos e a compreensão da complexidade inserida nos fatos da vida;
pode também ser um momento rico de sentidos e de possibilidades para a
escolha (de valores, de modos de ser e de agir no mundo).
Para a construção de tal ato pedagógico é necessário respaldo teórico a respeito
de como lidar com o senso comum, esclarecendo como se dão a circulação de
significados no cotidiano da vida e o processo de compreensão. Para atingir tal
propósito, inicialmente apresentamos características do conhecimento que
estamos denominando de “senso comum” e a necessidade de mediação
pedagógica para que os alunos possam identificar a complexidade que envolve
os temas específicos da Educação Física – o corpo e as práticas corporais de
maneira geral. Em seguida, aprofundamos a discussão sobre a circulação de
significados na vida cotidiana e sobre o conceito de compreensão, tendo como
base as idéias de Mikhail Bakhtin. Na terceira parte do texto, buscamos um
diálogo com autores atuantes na Educação Física, que dão pistas para o estudo
da significação, partindo de questões específicas da área. Esperamos, com esse
caminho teórico, instigar a construção de ações didáticas que se proponham a
lidar com os significados atribuídos ao corpo e às práticas corporais que circulam
na sociedade contemporânea, de modo a dar “voz” aos alunos, instigar sua
contrapalavra e construir condições que possibilitem a compreensão de tais
temas como fenômenos sociais.
O senso comum como “subúrbio” mais antigo de conhecimento
O senso comum permite ao homem estruturar sua forma de pensar, de
planejar, de visualizar e de entender o seu entorno ou a realidade em que está
inserido, funcionando como parâmetro, construído e ordenado a partir de “teias
de significados” que os homens tecem em interações com seus pares, o que
Geertz (1989) denomina de cultura.
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Esse sistema cultural permite uma compreensão imediata da realidade, possui
aceitação por grande parte dos sujeitos, fornecendo argumentações aparentemente
“incontestáveis” que compõem saberes veiculados em um ambiente sociocultural
e responsáveis pela solução dos mais diferentes problemas cotidianos.
As possibilidades de resolução de tais problemas cotidianos são construções
provenientes da experiência de vida do ser humano, de explicações edificadas e
transmitidas por seus antepassados e que não necessitam de comprovações
apuradas metodicamente, pois o próprio ambiente e seus atores os validam.
Geertz (2003) atribui ao senso comum propriedades ou quase-qualidades
que permitem identificar, alcançar, valorizar e caracterizar sua dinâmica, além de
diferenciá-lo de outros sistemas culturais como a ciência, a arte, a religião, etc.
A primeira dessas propriedades, segundo o mesmo autor, é a naturalidade,
que atribui a certos assuntos ou temas um tom de “isso é óbvio”, um jeito de
“isto faz sentido” ou “é assim que as coisas funcionam”, ou seja, fatos e
acontecimentos são vistos como “naturais”. No sentido de que, para um
determinado fenômeno social, existe uma explicação, uma resolução imediata
e eficaz, considerada intrínseca e inerente, sem necessidade de reflexão.
Na Educação, há exemplos a respeito da naturalidade. Segundo Firme
(1994), os mitos sobre a avaliação existentes na escola engessam o processo
educacional. A autora relata que, lamentavelmente, a reprovação de crianças e
jovens é vista como um “processo natural”, “inevitável”, e a explicação a esse
fenômeno sustenta-se na preservação da qualidade de ensino. Aceita-se a evasão
como um processo “normal” dos “fracassados”, sem refletir sobre os múltiplos
fatores que a ela se podemrelacionar de fato, dentre os quais, a maneira como a
avaliação é realizada, por exemplo. Notamos que as características do senso
comum podem ser identificadas também na escola.
A segunda das propriedades, a praticabilidade, seria a demonstração de
uma certa “sagacidade”, de prudência e de equilíbrio nas ações planejadas e nas
resoluções de problemas – são diferentes formas e maneiras, amplamente
conhecidas e difundidas por todos os atores sociais de um determinado grupo,
de lidar com as questões do cotidiano (Geertz, 2003). Ao retomar o fenômeno
da reprovação dos alunos na escola, poderíamos dizer que tal fato demonstra
uma tentativa de resolução imediata da situação, sendo tal prática conhecida e
detentora de certo “reconhecimento” ou prestígio por parte dos atores envolvidos
no processo (pais, diretores, professores, coordenadores).
Já a “leveza”, segundo Geertz (2003), é uma “quase-qualidade”, que faz
demonstrar que um assunto comentado é tudo aquilo que parece ser, sem
questionamentos, ou seja, o bom senso atribui uma “simplicidade” ou uma
“literalidade” aos temas, “o mundo é aquilo que uma pessoa bem desperta e
sem muitas complicações acha que é” (Geertz, 2003, p. 135).
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O pensamento fundamentado na argumentação da reprovação é tão
difundido na escola que ela, a reprovação, passa a ser aceita de forma “simples”,
está impregnada no modo de pensar e de agir da escola, das famílias e da
comunidade mais ampla (Firme, 1994). Desta maneira, quando um professor
conversa com o pai sobre a dificuldade de seu filho, ambos, por entenderem ser
“melhor” para a criança, podem rapidamente chegar à decisão de reprová-lo,
pois esta é uma atitude bastante utilizada e reconhecida naquele ambiente.
A “não-metodicidade” é outra propriedade sinalizada por Geertz (2003).
Caracteriza-se por um pot-pourri de conceitos e saberes discrepantes e, até mesmo,
contraditórios. Não se apresenta de forma sistematizada, além de, ao contrário
do que exige o pensamento científico, não requerer comprovação. Seria uma
“sabedoria” – transmitida através de lendas, de provérbios populares, de mitos
e de crenças – que difunde uma forma particular de viver e de explicar o contexto,
a sociedade e o mundo em que vivemos.
O mito, sustentado por certos sujeitos, de que é bom para o aluno que ele
permaneça na mesma série se estiver com dificuldades2 é alimentado por uma
construção cultural não-metódica. Nesse caso, desconsideram-se diversos fatores
que podem justificar a dificuldade do aluno: o conteúdo de ensino distante de
seus interesses pessoais; a metodologia de ensino; a maneira como ele é visto
pelos demais alunos ao demonstrar que não compreende o assunto, dentre
outros. Para que essas outras possibilidades sejam consideradas, é necessário
ocorrer uma análise sistemática do caso.
A última propriedade do senso comum apontada por Geertz (2003) é a
“acessibilidade”. Constitui-se como a possibilidade de apreensão, por qualquer
pessoa, das conclusões do bom senso e seus significados, não exigindo
especialização, estudo ou grande poder específico no entendimento de qualquer
situação a que o indivíduo é submetido (Geertz, 2003).
A concordância por vezes ocorrida entre os atores atuantes na escola – pais,
professores, gestores, demais funcionários e os próprios alunos –, com relação
ao fato de a reprovação ser a melhor saída para alunos com dificuldades ou para
aqueles que não atingem a nota mínima estabelecida pelo sistema educacional
parece ser exemplo de como esse mito é facilmente acessado e impulsionado
pela tradição.
Geertz (2003), metaforicamente, entende o senso comum como um tipo
de “subúrbio”, já que, apoiado em Wittgenstein (1953), compara a linguagem
a uma cidade antiga, que agrega constantemente novos “subúrbios” à sua
estrutura, como os simbolismos da química e do cálculo infinitesimal, que
foram adicionados à linguagem ao longo do tempo. O senso comum, comparado
2. Esse é um dos oito mitos sobre a avaliação apresentados por Firme (1994).
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com outros “subúrbios”, como a ciência, a ideologia e a arte, seria um dos mais
antigos da cultura humana, servindo como um “impulso de base” para a
construção posterior dos demais.
Podemos, portanto, entender o senso comum como fundamento para os
demais sistemas culturais, dentre os quais destacamos o conhecimento científico
que, sistematicamente elaborado ao longo da história da humanidade, é objeto
a ser socializado nas escolas. Assim, considerado como um tipo de sistema
cultural, o senso comum evidencia seu papel fundamental: fornece sustentação
a explicações de fatos específicos da vida humana. Diante disso: “O bom senso
não é aquilo que uma mente livre de artificialismo apreende espontaneamente;
é aquilo que uma mente repleta de pressuposições conclui” (Geertz, 2003,
p.127).
Portanto, o senso comum equipa os indivíduos de forma imediata com uma
série de saberes necessários para o entendimento de temas freqüentes, na
realização de atividades do dia-a-dia e na resolução de problemas do cotidiano.
A “eficiência” desses saberes é de certa forma legitimada pela experiência do
indivíduo e de seu grupo. Estes saberes passam a não ser mais questionados
pelos atores sociais.
Pressupostos a respeito da aula: convite à produção de múltiplos
sentidos
O conhecimento tácito ou do senso comum, como menciona Geertz (2003),
pautado nas “primeiras impressões” a respeito de determinado fenômeno social,
está em todos os espaços que podem ser imaginados de convívio humano; nesse
sentido, ele está na escola e nas aulas de Educação Física. Os alunos chegam
com certo entendimento a respeito das coisas do mundo, dos temas que serão
tratados durante os anos escolares pelas diferentes disciplinas.
Também para as aulas de Educação Física, especificamente, podem trazer
algum conhecimento a respeito dos conteúdos de ensino, com características
do senso comum. Idéias como: “esporte é saúde”, “esporte como solução para
retirar crianças e jovens das drogas”, “esporte ajuda no desenvolvimento da
inteligência”, circulam cotidianamente nos meios de informações, nas conversas
do dia-a-dia, em projetos governamentais, compondo, assim, as representações
dos alunos com relação ao tema. Outro ponto a considerar é a referência
predominante da prática esportiva na atual sociedade, fortemente centrada no
esporte de alto rendimento e em valores como o individualismo e a competição.
Pensar possibilidades de intervenção em Educação Física que tenham como
objetivo a construção de conhecimento acerca de temas específicos da área, de
maneira sistematizada, implica considerar as representações dos alunos, as
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referências prévias que possuem acerca dos temas tratados — essa é uma premissa
para certa concepção do que é a aula.
Roseli C. Fontana, autora, dentre outras obras, do texto “Sobre a AULA:
uma leitura pelo AVESSO”, foi inspirada pelo livro Em sobressaltos-formação de
professora, fruto da tese de doutorado de Maria do Rosário Magnani, em que
esta relata que, em uma aula, respondeu aos alunos que lhe perguntaram sobre
a maneira como preparava suas aulas, dando a eles a “Receita de ambrosia”.
Assim como Magnani, Fontana apresenta uma discussão sobre a aula, sua
realização e o tipo de relação entre professores e alunos. Suas idéias são de
grande contribuição para as reflexões aqui apresentadas: para ela, a aula é um
acontecimento inter-subjetivo, permeado por sentidos, lembranças,
reciprocidade, escolhas. A aula, segundo os comentários de Fontana (2001,
p.32), constitui-se como:
[...] ensaio e rito, preparação e entrega a um processo interativo,
que acontece e se repete, sempre necessariamente, entre sujeitos
organizados socialmente, para culminar em solidão, ruminação,
recolhimento e lembranças.
A aula é antecipação, ensaio, circulação de sentidos, antes mesmo que o
encontro com os alunos aconteça. Isso porque a sua preparação é permeada de
intenções e de sentidos construídos, atribuídos ao encontro que está por vir. A
concretização da aula humaniza professores e alunos porque, segundo Fontana
(2001, p.32):
[...] mais do que seres humanos colocados face a face, a relação
de ensino instaurada pela aula implica o encontro e o confronto
entre sujeitos que ocupam lugares sociais distintos – o lugar do
professor e o lugar de alunos, configurando, contraditoriamente,
uma unidade social.
A autora sinaliza para o fato de que a relação pedagógica é uma construção
conjunta; no entanto, há que considerar os “lugares” ocupados socialmente
pelos diferentes sujeitos. O professor, durante a exposição de suas idéias em
uma aula, por exemplo, na tentativa de realizar determinada “leitura dos alunos”,
talvez atente para expressões, gestos, palavras, atitude destes. Ele pode, ainda,
ignorar os alunos durante seu discurso, na tentativa de controlar os sentidos
que se produzem na sala de aula (Fontana, 2001).
A aula de Educação Física é também exemplo de “leituras” que o professor
realiza de seus alunos. Por ser esta uma disciplina que lida diretamente com o
corpo, as diferenças em relação às habilidades desenvolvidas pelos alunos nas
diversas manifestações humanas (ginástica, jogo, dança, esporte, luta etc.) e os
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sentidos dessas ações podem qualificar uma “leitura” mais atenta ou mais
autoritária, preconceituosa, corretiva, de controle do corpo, como tem ocorrido
tradicionalmente, na própria história da área.
Como qualquer fenômeno da vida humana, a aula é repleta de significados,
de trocas, de encontros e confrontos de conhecimentos. Podem-se atribuir ao
fenômeno social da aula o encontro e o confronto dos “subúrbios” (do senso
comum e do conhecimento sistematizado), geradores de condições para a
produção de múltiplos signos a respeito dos conteúdos ensinados.
Mikhail Bakhtin (1990) contribui para aprofundamentos nessa discussão,
justamente por partir da filosofia da linguagem para definir e explicar como se
dá a circulação de signos na vida cotidiana. Segundo o autor:
Tudo o que é ideológico possui um significado e remete a algo
situado fora de si mesmo. Em outros termos, tudo o que é
ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia. Um
corpo físico vale por si próprio: não significa nada e coincide
inteiramente com sua própria natureza. Neste caso, não se trata
de ideologia (p.31).
A premissa de que tudo que é ideológico possui um significado demarca o
caráter propositivo, intencional das expressões humanas, contrapondo, assim,
à visão de ser humano passivo uma visão que considera a dinâmica das relações
sociais e a intersubjetividade na construção de conhecimentos. Esse conceito
contribui para pensarmos os sujeitos participantes da dinâmica social
educacional como, ao mesmo tempo, receptores e produtores de significados.
Na Educação Física, particularmente, essa definição de signo renova o
discurso tradicional da área, uma vez que confronta a idéia de ser humano
biológico com o conceito de ser humano social que expressa, o tempo todo, um
conteúdo ideológico por meio de suas ações.
Bakhtin (1990) também afirma que o fato de o signo ser uma “encarnação
material”, isto é, expressa como som, como massa física, como cor, como
movimento do corpo, é que torna possível estudá-lo metodologicamente, porque
sua realidade é objetiva, constituindo-se, portanto, em um fenômeno do mundo
exterior (Bakhtin, 1990).
Por constituir-se como materialidade, podemos identificar o signo facilmente
no corpo pelo modo como os sujeitos sentam, cumprimentam, andam, correm,
praticam esportes e dançam. No entanto, se o signo pode ser observado,
estudado, pesquisado; se é um fenômeno do mundo exterior, é social, pois
pressupõe o olhar, a observação, a “leitura”, a interlocução com os outros sujeitos
que compartilham do mesmo contexto. Nesse caso, podemos afirmar que o
signo está na relação humana.
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O conceito de signo, com base nas idéias de Bakhtin (1990), dá pistas para
a questão de como lidar com o senso comum na prática pedagógica. Os sujeitos
chegam à escola, à faculdade, aos cursos de especialização com certas idéias e
noções sobre temas específicos da Educação Física, construídas a partir das
aulas de Educação Física escolar que tiveram, das práticas corporais vivenciadas,
das influências que recebem do meio em que vivem. Nesse caso, a relação
pedagógica poderá gerar conflitos, contrapontos, tensões a respeito desse saber
prévio, muitas vezes apoiado nas propriedades do senso comum.
A experiência com alunos de um curso de especialização para gestores –
diretores e coordenadores de escola de modo geral3- pode ser exemplo para
pensarmos a relação entre signo e conhecimento tácito dos alunos. De modo
geral, as turmas desse curso eram compostas por sujeitos que passaram pela
Educação Básica em diferentes décadas – 1960, 1970 e 1980, os mais jovens.
No início da aula foi solicitado que fizessem relatos sobre suas lembranças das
aulas de Educação Física que tiveram na escola. Pelos relatos, é possível ter acesso
às lembranças dos sujeitos: como as aulas eram organizadas; o que os professores
ensinavam; as aparências e as atitudes dos professores; o tipo e a cor do uniforme
obrigatório para a aula; os testes que o professor realizava para avaliar os alunos;
as tarefas solicitadas; os materiais que faziam parte da aula (bola, bastões, arcos,
apito, etc.); os espaços em que a aula ocorria. O que são tais lembranças senão
signos construídos e atualizados pelos sujeitos? Signos que, ao serem relatados,
são reafirmados, negados, criticados, avaliados durante a aula.
O professor, por meio de sua ação pedagógica, poderá possibilitar aos alunos
o embate, a tensão entre idéias, valores, signos, de modo que os alunos tenham
oportunidade de acesso e de construção de múltiplos significados para um
determinado tema. Essa seria uma maneira de reverem seu conhecimento tácito
acerca do tema, e a aula geraria uma situação de ensino desestabilizadora de tal
conhecimento. Não é intenção deste trabalho entrar no mérito de qual
conhecimento é – possa ser melhor ou pior, mas de pontuar que se trata de
conhecimentos diferentes ou – talvez possamos usar a metáfora de Geertz (2003)
– de “subúrbios” diferentes. O ponto de vista aqui defendido é de que a tensão
gerada em aula pode possibilitar que os alunos se coloquem diante de um
mesmo fato de diferentes maneiras, considerando a contradição implícita nos
fenômenos cotidianos, bem como os interesses e os valores predominantes;
enfim, a aula daria conta da construção de um conhecimento sistematizado
acerca do conteúdo ensinado.
3. Trata-se de um curso de especialização oferecido pela Secretaria de Educação do Estado de São
Paulo e organizado pela Faculdade de Educação da Unicamp aos gestores atuantes nas escolas
do ensino público do Estado de São Paulo.
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Esse entendimento da aula envolve assumir a relação como pressuposto
fundamental para construção de múltiplos signos a respeito de um mesmo tema,
já que, segundo Bakhtin (1990, p.35): “Os signos só podem aparecer em um
terreno interindividual”. Ou seja, para o acesso ao “subúrbio” do conhecimento
sistematizado são imprescindíveis a relação pedagógica, a interlocução e a troca
de signos. Na linha do mesmo autor, a consciência individual, sendo um ato
sócio-ideológico, adquire forma e existência nos signos criados por um grupo
organizado no curso de suas relações sociais (Bakhtin, 1990).
Outro conceito que parece contribuir para a construção de uma ação
pedagógica efetiva é a compreensão. Bakhtin (1990) nega a compreensão como
ato passivo, já que assumir essa idéia implicaria afirmar a sobreposição do
reconhecimento à compreensão. Segundo o autor, esta caracteriza-se pela
percepção do componente normativo do signo lingüístico, isto é, pela percepção
do signo como objeto-sinal, o que significaria pensar o papel do professor como
um transmissor de objetos-sinais; aos alunos, caberia o papel de reconhecer
tais sinais. A compreensão estaria, portanto, em segundo plano.
Parece ficar mais claro o contraponto de Bakhtin (1990), quando o autor se
refere à palavra como um território intersubjetivo e, ao tema, como um sistema
de signos dinâmico e complexo. Discutir o tema corpo com os alunos nas aulas
de Educação Física Escolar, por exemplo, tendo como foco a construção de
conhecimento sistematizado, e a compreensão implica considerar o conhecimento
que tais sujeitos possuem acerca do corpo, dos sentidos que circulam
na sociedade contemporânea, como beleza, saúde, prazer, sensualidade;
considerar os apelos da cultura de consumo e da circulação de valores, como a
padronização das aparências; perceber e questionar quem são os sujeitos que,
de fato, têm acesso às práticas corporais em seus momentos de lazer, quem
pode pagar por elas; avaliar o que é oferecido pelo serviço público. Enfim, é
necessário tratar o tema abarcando a complexidade de vida nele implícita e os
múltiplos fatores a ele relacionados.
No exemplo dado, professores e alunos estariam o tempo todo refazendo os
significados atribuídos ao corpo e sua relação com o mundo, participando
ativamente dessa construção, com direito a ouvir e a responder. Esse tipo de
ação pedagógica parece favorecer a compreensão dos alunos, já que se constitui,
segundo Bakhtin (1990, p.132), como: “[...] uma forma de diálogo; ela está
para a enunciação assim como uma réplica está para a outra no diálogo.
Compreender é opor à palavra do locutor uma contrapalavra”.
A didática com o foco no encontro e no confronto de conhecimentos entre
professores e alunos seria “movida” pela significação, definida por Bakhtin (1999,
p.132) como “[...] palavra enquanto traço de união entre os interlocutores”.
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A situação de ensino abaixo relatada, vivenciada com alunos de um curso de
formação em Educação Física, é um exemplo que talvez possa sintetizar esses
conceitos de compreensão e significação aqui apresentados.
O planejado para a aula era uma discussão a respeito dos pressupostos teóricos
de um estudioso da mídia e, posteriormente, um exercício aplicando os conceitos
estudados. Realizamos, inicialmente, uma discussão sobre os modos de operação
da ideologia pela mídia. No segundo momento, os alunos aplicaram o que foi
estudado no momento anterior, em matérias de revistas que eles próprios
selecionaram e trouxeram para a aula4. A surpresa foi quando um aluno
perguntou se, em uma mesma matéria ou propaganda de revista, poderia haver
mais de um modo de operação da ideologia. Essa era uma questão que não
havia sido considerada na preparação da aula. A situação gerou conflito imediato,
porque, se fosse dito que sim, talvez não houvesse argumentos suficientes a
serem sustentados pelo professor. A resposta negativa poderia restringir as idéias
do aluno a respeito da tarefa e do tema da aula. A saída imediata foi: “talvez,
deixe-me ver”. A resposta permitiu conversarmos sobre o assunto e toda a
argumentação do aluno pareceu coerente com as idéias do autor estudado.
Esse “novo” construído pela pergunta do aluno, a dúvida do sujeito na posição
de professor e a argumentação posterior do aluno para sustentar suas idéias
parecem ser algo próximo do que Bakhtin (1999) explica como significação e
compreensão.
A aula de Educação Física na escola: a significação e os “subúrbios”
A aula de Educação Física na escola é um espaço muito importante de
circulação de significações referentes à cultura corporal, ou seja, às manifestações
humanas construídas historicamente por diferentes grupos sociais – jogos, lutas,
esportes, danças, ginástica, dentre outros. O professor atento ao conjunto de
signos atribuídos a tais práticas, que reconheça a aula de Educação Física como
uma prática social, pode possibilitar aos alunos o acesso à complexidade que
envolve os temas trabalhados, e sua ação pedagógica será direcionada à constante
tensão entre o conhecimento prévio dos alunos e o conhecimento sistematizado.
Essa postura poderá contribuir para a apropriação5 de novas e diferenciadas
formas de significar os aspectos tratados.
4. Revistas como Boa forma, Saúde, dentre outras, com conteúdo centrado na beleza corporal,
saúde, práticas corporais.
5. Concordamos com Smolka (2000), que afirma que “a apropriação não é tanto uma questão de
posse, de propriedade, ou mesmo de domínio, individualmente alcançados, mas é essencialmente
uma questão de pertencer e participar nas práticas sociais. Nessas práticas o sujeito – ele próprio
um signo interpretado e interpretante em relação ao outro – não existe antes ou independente
do outro, do signo, mas se faz, se constitui nas relações significativas” (p.10).
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Um exemplo para elucidar esse fato pode vir de um dos maiores eventos
esportivos do mundo atualmente em evidência: a Copa do Mundo de Futebol.
O professor pode problematizar sobre a maneira de jogar do brasileiro: ela é
diferente da de outros jogadores do mundo? Ela é igual em todos os lugares do
Brasil? O futebol deve ser jogado somente da forma como é transmitido pela
mídia, ou podemos jogá-lo de outras maneiras? Quais? Os alunos conhecem
outras? A aula, nesse caso, pode ser um espaço para a construção de ações,
geradas e geradoras de significação. Essa idéia pode ser aproximada do conceito
de apropriação de Smolka (2000), pois a tensão mantida entre aquilo que os
alunos já sabem e a possibilidade de construção de novas significações pode ser
o impulso fundamental para a participação dos sujeitos nesse tipo de prática
social, condição básica para a apropriação.
Uma ação pedagógica que enfoque o convite aos alunos para o encontro e
para o confronto de conhecimentos é inovadora em nossa área, pois pressupõe
que os educandos participem efetivamente da construção e do acesso ao
conhecimento sistematizado.
Nesta visão aqui apresentada de aula de Educação Física, a identificação dos
significados atribuídos pelos alunos ao corpo e às práticas corporais é
imprescindível para o ato educativo comprometido com uma formação
humanizante6.
Na Educação Física brasileira, podemos identificar autores que têm pensado
e discutido temas específicos da área, tendo como questão central a significação.
Não pretendemos aqui fazer uma revisão de literatura sobre todas as obras
publicadas, mas destacar autores que têm focado suas reflexões na compreensão
do ser humano como ser expressivo e que se constituem como interlocutores
deste referencial em que temos nos apoiado até o momento, como: João Paulo
S. Medina, Jocimar Daolio e Romildo Sotério de Magalhães, este em sua recente
dissertação de mestrado.
Medina (1990) foi um dos primeiros autores da Educação Física a propor
um diálogo com as Ciências Humanas para pensar os temas da área – corpo,
esportes, ginásticas, entre outros. Sua obra clássica Educação Física cuida do
corpo...e “mente” , publicada no início da década de 1980, propõe a revisão da
ação pedagógica na área e do próprio conceito de ser humano. O autor parte
das idéias de Paulo Freire e aponta para uma reciprocidade educativa na relação
entre professor e aluno, evidenciando que o contato entre ambos no processo
de ensino-aprendizagem poderia ser uma “riquíssima troca de energias”, em
6. Expressão utilizada por Medina (1990) para afirmar que o professor de Educação Física poderá
realizar um trabalho efetivamente humanizante, se entender o corpo na posse de todas as suas
dimensões.
170
Pro-Posições, v. 19, n. 1 (55) - jan./abr. 2008
que cabe ao professor a organização e a sistematização desse processo educativo;
deixa claro, porém, que o aluno também influencia no processo.
Ainda que de maneira inicial, o autor dá pistas à área: “O ser humano se
movimenta sempre de uma forma simbólica e expressiva. Aquele que não procura
interpretar essas significações não pode estar sabendo exatamente o que está
fazendo” (Medina, 1990, p.49). Ou seja, essa idéia parece próxima das
afirmações de Bakhtin (1999) sobre o conceito de signo como “encarnação
material” e a significação como “[...] um potencial, uma possibilidade de
significar no interior de um tema concreto” (p.131), processo movido pela
inter-relação, pela interlocução com o outro, pela intersubjetividade.
Nesse sentido, não podemos pensar em uma aula de Educação Física que
não tenha como premissa a significação e o reconhecimento de que professores
e alunos aprendem e ensinam mutuamente. Medina (1990) traz também luzes
a respeito do ato educativo, ao afirmar que a incompletude do homem é o
principal fator a ser considerado no desenvolvimento de todas as suas
potencialidades e indicar as relações com seus pares como fundamentais para
torna-lo possível como ser humano. Essas afirmações do autor também vão ao
encontro do que procuramos mostrar até aqui: a relação como pressuposto
fundamental das múltiplas significações nas aulas de Educação Física.
Outro autor que nos chama a atenção é Daolio (2004), que analisa a forma
como autores importantes e de grande expressividade em nossa área apresentam
em suas principais obras o conceito de cultura – em alguns casos de forma
implícita, em outros, nem tanto – e propõe uma Educação Física da desordem:
indica a intersubjetividade, a individualidade e a historicidade como aspectos
fundamentais a serem considerados pelo profissional, como forma de
contraponto aos aspectos que chama de “elementos da ordem” – a subjetividade,
o indivíduo e a história.
A relação intersubjetiva, como aponta o autor, é de extrema importância, na
medida em que é estabelecida entre indivíduos – professor e alunos – que
compartilham do mesmo tempo histórico, mas de dinâmicas culturais
diferentes, “eminentemente simbólicas” e variáveis. Tal relação vem contribuir
de forma decisiva para o entendimento da aula como espaço de mediação
constante de significados.
Assumir a intersubjetividade é reconhecer a aula de Educação Física como
um ambiente de trocas de conhecimento, e não como um espaço de transmissão
unilateral do saber, e reconhecer a alteridade como princípio para a ação
pedagógica, em que o outro é considerado a partir de suas diferenças e na
diversidade de suas manifestações culturais.
Pela troca de conhecimento impulsionada pelo ato educativo, podemos
entender que se formará o conflito entre o conhecimento do senso comum e o
171
Pro-Posições, v. 19, n. 1 (55) - jan./abr. 2008
conhecimento sistematizado a respeito do corpo e das práticas corporais. Essa
troca implica a construção de algo novo, fruto do contato entre professores e
alunos, gerando, como afirma Smolka (2000, p.9), “diferentes (efeitos) de
sentidos”.
Com as idéias até esse ponto desenvolvidas, talvez possamos sintetizar a
finalidade das aulas de Educação Física e de uma didática sustentada pelos
conceitos trabalhados. Magalhães (2006, p.112), em sua dissertação de
mestrado baseada na filosofia da linguagem, afirma que
O corpo precisa ser olhado como expressão da corporalidade, e
isso vai um pouco além das aulas de Educação Física. Não é o
caso de o professor de Educação Física assumir mais alguma
coisa, como às vezes deseja a escola. A nossa, no entanto, é:
propor a corporalidade como um tema e abrir possibilidades de
significação para toda a escola. Parece-me ser um projeto que
precisa começar na Educação Física, no interior das aulas.
Se o papel da aula de Educação Física for abrir possibilidades de significação
a respeito da corporalidade, uma didática que atenda a isso poderá ter como
base o encontro e o confronto de conhecimentos e a inter-relação entre os
sujeitos como fator de humanização. Com essa didática é possível vislumbrar
que os alunos terão oportunidade de acessar o conhecimento sistematizado
acerca da corporalidade e escolher sua forma de atuação no mundo.
Palavras finais: porta de livre acesso aos “subúrbios”
As reflexões aqui apresentadas buscaram diálogo com autores das Ciências
Humanas, como Clifford Geertz e Mikhail Bakhtin, e da Educação e Educação
Física. Essa construção viabilizou pensar a didática como ação que considera o
encontro e o confronto de conhecimentos entre professores e alunos
fundamentais para a troca de saberes, culminando na apropriação e na produção
de múltiplos sentidos atribuídos ao corpo e às práticas corporais. Tal concepção
propicia que os alunos possam fazer escolhas de valores, de modos de ser e de
agir no mundo.
Pensar o encontro e o confronto de conhecimentos é reconhecer a aula como
um espaço de construção conjunta entre alunos e professores; esta, por sua vez,
pode ser entendida também como a tensão necessária, que desestabiliza o
conhecimento do senso comum e possibilita a construção de “algo
novo”produzido a partir da inter-relação entre os sujeitos.
Esse “algo novo” significa um “movimento” cíclico de significação e de
constante trânsito entre os “subúrbios” do senso comum e do conhecimento
172

Trabalho educação física Médio 2012 1 º trimestre

Trabalhos ensino Médio ( Educação Física 2012 1º trimestre )

O resumo  é para ser entregue nas mãos da Coordenadora Andrea o Mais rápido possível !





Lembrando que o modelo de como deve ser entregue o trabalhdo esta postado no BLOG ou no endereço
http://bsjoi.ufsc.br/files/2010/09/Modelo_de_trabalho_academico.pdf

***  Por gentileza entreguem o mais rápido possível ***




Educação Física Escolar: estado da arte e direções futuras
Mauro BETTI*
Osvaldo Luiz FERRAZ**
Luiz Eduardo Pinto Basto Tourinho DANTAS**
*Faculdade de Ciências,
Universidade Estadual
Paulista - Bauru.
**Escola de Educação
Física e Esporte,
Universidade de São
Paulo.


Resumo

O objetivo deste artigo é caracterizar e problematizar a Educação Física Escolar como prática profi ssional
e subárea de pesquisa no campo mais amplo da Educação Física e das investigações educacionais. Para
tal, inicialmente delimita o que é pesquisa em Educação Física Escolar, distinguindo-a da pesquisa sobre
Educação Física Escolar, e quais seriam os objetos e hipóteses de pesquisa signifi cativos para esta subárea.
A seguir, analisa 289 artigos caracterizados como pesquisa em Educação Física Escolar, publicados em 11
periódicos (revistas) brasileiras, classifi cando-os nas categorias “ciclo de escolarização”, “prática corporal
“ e “tema” investigados. Os resultados indicam que predominam os estudos no ensino fundamental, nas
práticas “jogo” e “esporte”, e pesquisas de cunho descritivo-interpretativo das aulas de Educação Física
em várias dimensões e interrelações. Em conclusão, aponta a necessidade de maior direcionamento para
as pesquisas nos âmbitos da didática, da implementação dos programas (currículos) formulados no bojo
das políticas públicas, e da formação de professores. Por fi m, alerta para a necessidade dos programas de
pós-graduação em Educação Física no Brasil investirem mais nas pesquisas em Educação Física Escolar.
UNITERMOS: Educação física escolar; Profi ssão; Ensino; Pesquisa científi ca.

Para abordar as áreas de atuação e investigação
em Educação Física Escolar optamos neste artigo
por discutir alguns pontos acerca da natureza da
produção de conhecimento científi co nesta subárea
da Educação Física. Para isso, inicialmente, buscouse
introduzir o entendimento dos autores acerca do
fenômeno Educação Física Escolar. Em seguida,
abordamos a temática da pesquisa em Educação Física
Escolar a partir de quatro problemas: a) o que pode
ser pesquisa em Educação Física Escolar; b) a pesquisa
em Educação Física Escolar no campo mais amplo da
pesquisa educacional; c) a produção bibliográfi ca em
Educação Física Escolar a partir de periódicos científi cos
nacionais da área da Educação Física; d) possibilidades
e necessidades de pesquisa em Educação Física Escolar.

Como muitas vezes o óbvio passa desapercebido,
é oportuno relembrar que a construção da área
Educação Física esteve desde seu início vinculada
ao processo de escolarização e, ainda hoje, podemos
dizer que Educação Física Escolar é inerente à Educação
Física. O interesse na educação das crianças
e jovens e a formação de professores está na base da
institucionalização da Educação Física em muitos
países. No Brasil, pelo menos desde a década de 30
é bem evidente a importância atribuída pelas políticas
educacionais do governo federal à Educação
Física, entendida esta como componente do currículo
escolar (BETTI, 2009b). Atualmente, a Lei nº
9.394/1996, que estabelece as diretrizes e bases da
educação brasileira, dispõe, em seu artigo 26, que a
Educação Física, “integrada à proposta pedagógica
da escola, é componente curricular obrigatório da
educação básica” (BRASIL, 1996), conforme nova redação
dada pela Lei nº 10.793/2003 (BRASIL, 2003).
Sem adentrar (embora reconhecendo sua pertinência)
o longo debate sobre as diferenças entre
“legalidade” e “legitimidade pedagógica” da Educação
Física nos currículos escolares, conforme apresentado
por vários autores (por exemplo, BRACHT, 1992), o
fato é que, há longa data, no Brasil, as prescrições
legais têm colocado a Educação Física Escolar no
centro das oportunidades de trabalho e na formação
dos profi ssionais da área. A despeito do crescimento
e diversifi cação do mercado e da implementação dos
Áreas de atuação e investigação em Educação Física e Esporte
106 • Rev. bras. Educ. Fís. Esporte, São Paulo, v.25, p.105-15, dez. 2011 N. esp.
BETTI, M.; FERRAZ, O.L. & DANTAS, L.E.P.B.T.
cursos de bacharelado na área, raras instituições de
ensino superior não mantém a modalidade “Licenciatura”
na formação dos graduados em Educação Física.
Também no início da pós-graduação “stricto sensu”
em Educação Física no Brasil, a Educação Física Escolar
esteve presente. Por exemplo, no primeiro curso de
pós-graduação da área de Educação Física, criado em
1977 na Universidade de São Paulo, o mestrando João
Batista Freire da Silva defendeu dissertação intitulada
“As relações entre o fazer e o compreender na prática
da Educação Física”1, a primeira do curso a utilizar
a expressão “Educação Física” com o sentido de
“componente curricular” da educação básica. A título
de exemplo, a expressão “Educação Física Escolar” está
presente nas ementas das áreas de concentração ou
linhas de pesquisa nos três programas de pós-graduação
mantidos pelas universidades públicas paulistas (USP,
UNESP e UNICAMP) que estão inseridos na área
de avaliação de Educação Física na CAPES. Embora
minoritária, a pesquisa em Educação Física escolar é
temática continuadamente presente em periódicos
científi cos especializados brasileiros, bem como na
produção bibliográfi ca oriunda do corpo docente e
discente de pelo menos 11 programas de pós-graduação
“stricto sensu” da área (ROSA & LETA, 2010, 2011).
Não há como não reconhecer a relação entre área da
Educação Física e a Educação Física Escolar, mas o que é
Educação Física Escolar? Há vários modos de defi ni-la.
Preferimos fazê-lo a partir do que fazem (ou espera-se
que façam) os professores de Educação Física na Escola.
E o que eles fazem? Elaboram, implementam e avaliam
programas de ensino que tematizam, do ponto de
vista didático-pedagógico, as brincadeiras e o jogos, o esportes,
as lutas, as ginásticas, as danças, exercícios físicos,
atividades rítmicas e etc., com propósitos educacionais
explícitos e implícitos, quer dizer, com intenção de
infl uenciar a formação dos sujeitos considerando que:
- A tematização didático-pedagógica faz-se a
partir de sentidos culturais e potencialidades de estimulação
do organismo humano que se apresentam
naquelas manifestações (brincadeira, jogo e etc.)
ligadas à tradição da Educação Física, tradição esta
que se renova (ou deve se renovar, sob pena de
desatualizar-se) em consonância com os contextos
sócio-históricos, que são mutáveis.
- Os propósitos e as direções imprimidos aos processos
educacionais-escolares também mudam conforme
mudam os contextos sócio-históricos2 (econômico,
político, cultural, científi co), as mentalidades e os
interesses envolvidos. Espera-se que as mudanças
nos propósitos e direções sejam acompanhadas das
mudanças correlatas nas práticas escolares cotidianas,
o que nem sempre acontece, ou muitas vezes acontece
lentamente, ou de modo descompassado.
- Os sujeitos aos quais se dirigem os esforços educativos
são crianças, jovens e adultos conduzidos à
condição de alunos nos tempos/espaços de formatação
escolar: educação infantil, ensino fundamental,
ensino médio e educação de jovens e adultos.
- Os propósitos e as direções da formação dos
alunos dizem respeito a modos de ser e conviver,
de pensar e conhecer, de apreciar e usufruir, de agir.
Portanto, depreende-se que a Educação Física,
como qualquer disciplina do currículo escolar, não
pode ser analisada como um fenômeno “técnico”,
“neutro”, independentemente dos tempos e espaços
históricos e dos interesses dos sujeitos e grupos
sociais envolvidos. Nessa direção, é exemplar a
explicitação da infl uência que se pretendia exercer na
formação dos jovens em vários documentos legais da
Era Vargas3, sobretudo os referentes ao então ensino
secundário4, pois, conforme o ministro da Educação
e Saúde em 1932, Francisco Campos, este nível de
ensino seria “o de maior importância”, por exercer,
“durante a fase mais propícia ao desenvolvimento
físico e mental, a sua infl uência na formação das
qualidades da inteligência, do julgamento e do
caráter” (CAMPOS, 1932, citado por BETTI, 2009b,
p.99). Na época, estabeleceu-se como fi nalidade da
Educação Física no ensino secundário:
[...] proporcionar aos alunos o desenvolvimento
harmônico do corpo e do espírito, concorrendo
assim para formar o homem de ação, física e
moralmente sadio, alegre e resoluto, cônscio de
seu valor e das suas responsabilidades (BRASIL,
1938, citado por BETTI, 2009b, p.82).
Evidentemente, os interesses explicitados em
relação à Educação Física na Era Vargas guardavam
relação com o contexto histórico-político de então,
mas compatibilizar ou antagonizar estes discursos
político-pedagógicos e as práticas escolares concretas
e cotidianas parece ser o grande desafi o dos
professores de Educação Física em todas as épocas.
Com base na descrição do que fazem os professores
de Educação Física e os condicionantes
do processo de escolarização (ambos explicitados
anteriormente), o próximo passo desse artigo é
abordar o problema do conhecimento científi co,
da sua produção, para o ensino de Educação Física
Escolar, orientado pelos seguintes objetivos:
- demarcar o que seja pesquisa em Educação
Física Escolar;
- problematizar a pesquisa em Educação Física Escolar
no campo mais amplo da pesquisa educacional;
Rev. bras. Educ. Fís. Esporte, São Paulo, v.25, p.105-15, dez. 2011 N. esp. • 107
Educação física escolar
O que é e o que não é pesquisa em Educação Física Escolar
A delimitação do que seja pesquisa científi ca em
Educação Física Escolar é uma questão fulcral desse
campo de conhecimento. Não é fácil defi nir ou
delimitar o que é pesquisa científi ca em Educação
Física Escolar, pois estamos nos situando numa
área de fronteiras um tanto fl uidas. Temos aí pelos
menos dois problemas: a demarcação do que seja
pesquisa científi ca frente a pesquisa não científi ca,
e a demarcação do que seja pesquisa científi ca em
Educação Física Escolar. Para isso, inicialmente iremos
abordar a questão da cientifi cidade, problematizando
a questão no campo mais amplo da pesquisa
educacional. Em seguida, iremos focar a própria
subárea da Educação Física Escolar para discutir o
que seja pesquisa científi ca específi ca dessa subárea,
uma vez que nem todas as pesquisas científi cas que se
auto-incluem ou são incluídas, muitas vezes a partir
de critérios pouco consistentes, na área da Educação
Física escolar poderiam ser de fato assim consideradas,
conforme demonstraremos mais adiante.
Existe uma difi culdade inerente em tentar explicitar
algum critério ou regra constitutiva do que seja
pesquisa científi ca em Educação Física Escolar. Essa
difi culdade é a mesma que vem acompanhando a
ciência moderna desde o seu nascimento: o que é conhecimento
científi co? Há mais de um século vem se
buscando um critério objetivo que demarque o conhecimento
científi co de outros tipos de conhecimento.
Partirmos do pressuposto que não é possível determinar
um método ou regra geral que delimite todas as
práticas científi cas existentes no campo da Educação
Física Escolar. Entretanto, AZANHA (1992, p.183),
referindo o método científi co, ressalta que pode haver
métodos incompatíveis com a busca da verdade: “aqueles
métodos que protegem algumas teorias, hipótese (ou
interpretações) no âmbito de uma dada prática científi
ca, porque essa proteção é uma presunção de alcance
de verdade e, portanto, de uma razão para a cessação
da busca, isto é, da própria prática”.
Com isso AZANHA (1992) rejeita uma posição
essencialista com relação às propriedades de uma
pesquisa científi ca, assim como a de um relativismo
- caracterizar aspectos da produção bibliográfi ca
em Educação Física Escolar a partir de periódicos
científi cos nacionais da área da Educação Física;
- apontar direções para as futuras pesquisas em
Educação Física Escolar.
Sugerimos que algumas respostas produtivas
às questões que estes objetivos levantam podem
ser encontradas no denso ideário sobre a pesquisa
educacional legado por J.M.P. Azanha, consubstanciados
em dois textos (AZANHA, 1990/1991, 1992).
do tipo “tudo pode”. O autor propõe encarar a ciência
com base numa sistematicidade lógica (não um
ideal único de racionalidade) e ressalta: “A rejeição
de um ideal absoluto de racionalidade da ciência
apenas é o abandono de uma ilusão racionalista e
reconhecimento de que diferentes “formas de vida”
podem incorporar diferentes formas de racionalidade”
(AZANHA, 1992, p.184).
Desse modo, entendemos que é “científi ca” toda
pesquisa que estiver aberta a novas argumentações
que possam “tensionar” os princípios, conceitos,
afi rmações e interpretações que a constituem. Outra
característica é que o processo da pesquisa seja público,
o que possibilita a sua replicação ou ressignifi cação
por parte de outros atores que não os autores originais
da pesquisa. Não pretendemos aplicar de modo
exaustivo tal entendimento - que com certeza não é
original, está presente nas refl exões de muitos pensadores
importantes no âmbito da fi losofi a da ciência
- na análise dos estudos em Educação Física Escolar.
A fi nalidade de sua enunciação é, principalmente,
“dispor o terreno” onde se está construindo este texto.
Uma vez que uma pesquisa seja reconhecida como
uma pesquisa científi ca, com base nos apontamentos
acima, um desdobramento ou problema possível
diz respeito ao foco da pesquisa. Não é incomum
encontrarmos pesquisas que elegem como sujeitos os
escolares ou profi ssionais da educação, mas, muitas
vezes, a leitura destes trabalhos aponta para outros
focos que não o fenômeno “educação escolarizada”.
Em publicação original de 19855, Lawrence
Stenhouse distinguiu a pesquisa sobre educação da
pesquisa em educação. Com isso, ele distingue aquelas
investigações na História, Psicologia, Sociologia,
etc. que apenas secundariamente podem contribuir
para a ação educativa nas escolas, pois se orientam
pelos paradigmas específi cos das respectivas disciplinas,
daquelas em que “a investigação realizada
dentro do projeto educativo é enriquecedora do
empreendimento educativo” (STENHOUSE, 1985,
p.42). Mais ainda, o autor aponta que a investigação
é educacional se permite em alguma medida relações
108 • Rev. bras. Educ. Fís. Esporte, São Paulo, v.25, p.105-15, dez. 2011 N. esp.
BETTI, M.; FERRAZ, O.L. & DANTAS, L.E.P.B.T.
com a prática da educação. Tais relações poderiam
estabelecer-se em uma ou mais das seguintes direções:
1) uma teoria da pedagogia com algum nível
de generalização; 2) uma ampliação da experiência
que informa a prática; 3) oferecimento de uma
referência para a investigação na ação, quer dizer
“um instrumento para explorar as características de
determinadas situações” (STENHOUSE, 1985, p.42).
Embora sagaz e provocativa a proposição de Stenhouse
nos deixa a difi culdade de defi nir o que seria a
prática de educação, e como dela derivariam objetos de
pesquisa que pudesse levar os pesquisadores a efetivamente
contribuir para a melhoria das práticas escolares.
Retomamos aqui o diálogo com Azanha em
busca de maiores esclarecimentos. Para o autor, os
supostos pesquisadores educacionais desconhecem
“as relações efetivamente praticadas na escola”, e não
considera sufi ciente dizer que “o professor ensina” e
“o aluno aprende”, e daí pesquisar o “ensino” ou a
“aprendizagem” (AZANHA, 1990/1991, p.66). Este
entendimento levaria a apenas descrever pobremente
as condutas de professores e alunos a partir de objetivos
defi nidos pelas normas legais. Por exemplo,
focar a atuação do professor pelo alcance ou não de
objetivos prescritos levaria a uma descrição abstrata
que apenas permitiria chegar a “uma contabilidade
pedagógica que não serve senão para produzir estatísticas
escolares”, contabilidade na qual “o aluno, na
sua realidade social e psicológica, desaparece”, porque
a atividade do aluno não consiste aí em uma prática
escolar, mas é “apenas alvo dela” (AZANHA, 1990/1991,
p.66). A mesma distorção ocorreria se tomássemos
nessa perspectiva a gestão escolar, o livro didático
e etc. Portanto, para AZANHA (1990/1991, p.66)
o professor, aluno, livro e outros componentes do
ambiente escolar são “falsos objetos” que escondem
o fundamental: “o jogo das complexas relações sociais
que ocorrem no processo institucional da educação”6.
Para esclarecer, AZANHA (1990/1991, p.66-7)
exemplifi ca com o fenômeno da reprovação escolar,
alertando que “...o predicado ser reprovado só existe na
relação com as práticas que o produziram...”, e, portanto,
“...descrever a escola é descrever a formação dessas práticas
e dos seus correlatos” (...) “...objetivados em mentalidades,
confl itos, discursos, procedimentos, hábitos, atitudes,
regulamentações, resultados escolares, etc...”.
A crítica de AZANHA (1992) ao processo de descrever
no âmbito da pesquisa educacional suporta-se numa
distinção entre duas formas de descrição. O autor
distingue uma descrição superfi cial de uma descrição
densa, mas alerta que não há regras muito claras e
estabelecidas de antemão para diferenciar uma da outra.
Com base em conhecidos textos de G. Ryle e C. Geertz7,
AZANHA (1992, p.42) depreende que “descrições
superfi ciais são inadequadas para exibir diferenças
signifi cativas entre os objetos, isto é, relevantes para
conhecimento dos objetos considerados”.
De Ryle, AZANHA (1992) toma o exemplo dos “meninos
piscantes”: dois meninos piscam repetidamente
os olhos direitos; em um deles trata-se apenas de
uma contração nervosa involuntária, e o outro pisca
conspiratoriamente para um cúmplice. De Geertz
toma o estudo da briga de galos em Bali: na sociedade
balinesa, mais que um passatempo coletivo, a briga
de galos cumpre funções sociais muito importantes,
que a tornam um “texto cultural”. Descrições densas
conseguem distinguir “tiques nervosos de piscadelas
conspiratórias, ou brigas de galo em Bali de passatempos
coletivos” (AZANHA, 1992, p.163), descrições
superfi ciais pouco acrescentam à compreensão da
situação, embora possam apresentar muitos dados.
Na área da Educação Física é usual falar em
“estudos descritivos”, mas estamos nos referindo
aqui a descrições compreensivas ou interpretativas.
Por exemplo, dizer que os alunos do ensino médio
desinteressam-se e evadem-se das aulas de Educação
Física e apresentar as suas justificativas para tal
(“não gosta da aula”, “não sabe jogar”, etc.) é mera
descrição de dados produzidos por respostas dos
alunos a questionários ou entrevistas que partem
de certos pressupostos valorativos (não participar
da aula é “ruim”), e fi nda por não permitir uma
compreensão profunda das relações da conduta de
“desinteressar-se e evadir-se” com as práticas escolares
que a produziram. Como é preciso apresentar uma
“interpretação” dos dados, às vezes os autores fazem
inferências sem base nos próprios dados que geraram.
Há muitos estudos em Educação Física escolar
atravessados por esse equívoco teórico-metodológico.
Retornando ao raciocínio de AZANHA (1990/1991,
p.67-8), como a escola é “...uma instituição que
possui uma cultura específi ca com um certo grau
de autonomia...”, tal tarefa exige “...um amplo conjunto
de investigações (multi e interdisciplinares)
capazes de cobrir o amplo espectro das manifestações
culturais que ocorrem no ambiente escolar e que se
objetivam em determinadas práticas”, que não apenas
descrevessem estas práticas num dado momento,
mas também fossem capazes de identifi car e tornar
inteligíveis “os processos de sua formação, transformação
e permanência”. O acúmulo sistemático dessas
descrições permitiria, conforme entende AZANHA
(1990/1991) compor um quadro compreensivo da
situação escolar, ponto de partida para um esforço
Rev. bras. Educ. Fís. Esporte, São Paulo, v.25, p.105-15, dez. 2011 N. esp. • 109
Educação física escolar
de explicação e de reformulação, ou em outras palavras
do mesmo autor, construir um “mapeamento
cultural da escola” (AZANHA, 1990/1991, p.68), do
qual se poderiam derivar hipóteses de investigação
signifi cativas no campo educacional.
Ao aceitarmos que são estas relações sociais
complexas e dinâmicas que envolvem a instituição
escolar que constituem o objeto essencial da pesquisa
educacional, perguntamo-nos então, junto
com AZANHA (1990/1991), se aqueles que se autoclassifi
cam como pesquisadores em Educação Física
Escolar no Brasil têm sido capazes de fazer incidir
sobre ele seus esforços investigativos, considerando,
evidentemente, a especifi cidade da disciplina.
Neste ponto, com base em Azanha, já é possível
descartarmos o que não é pesquisa em Educação Física
Escolar, pois, para a pesquisa educacional não bastaria,
somente “caracterizar os protagonistas que atuam
no espaço escolar e relacioná-los a condições sociais,
políticas e econômicas” conforme (AZANHA, 1990/1991,
p.66). Por exemplo, gerar dados que caracterizam em
alguns aspectos crianças e jovens (antropométricos,
motores, psicológicos, sociais, etc.) apenas como
indivíduos que estão incidentalmente presentes nos
tempos-espaços escolares não tipifi ca a pesquisa em
Educação Física Escolar, se estes dados não estiverem
associados à condição desses sujeitos como alunos no jogo
das relações sociais complexas e dinâmicas que envolvem
a disciplina “Educação Física” na instituição escolar.
Um exemplo de pesquisa em Educação Física
Escolar é o estudo de OLIVEIRA (2010) que subverte a
lógica dos estudos predominantes sobre a participação
dos alunos nas aulas. O autor caracterizou o espaço
social que denominou “periferia da quadra”, situado
entre as obrigações escolares e o convívio social mais
amplo do aluno na escola, no qual se evidenciou
uma rede de sociabilidade, construída a partir de
diversos modelos de participação dos alunos nas
aulas, que não se esgotam na “prática” das atividades
propostas pelo professor. No entendimento do
autor, o fenômeno da “periferia da quadra” limita a
apropriação dos conhecimentos da Educação Física
por parte dos alunos (o que demanda intervenção do
professor na situação), mas também lhes permitem
formular críticas às aulas, ao professor e à escola, bem
como apontar alternativas. Desse modo, podemos
constatar que há divergências no modo como
professor, de um lado, e alunos, de outro, percebem
e avaliam o que é “participar” da aula.
Na mesma direção, SCHNEIDER e BUENO (2005),
com base na teoria da “relação com o saber” de B.
Charlot8 , apontam divergências entre o que os alunos
consideram que aprenderam nas aulas de Educação
Física e aquilo que os professores consideram
que eles deveriam ter aprendido. Tais divergências
relacionam-se com as “fi guras do aprender” sugeridas
por CHARLOT (2000): aprender pode ser adquirir
um saber (no sentido de um conteúdo intelectual,
enunciado em linguagem verbal ou escrita), dominar
um objeto (usar o computador) ou dominar uma
atividade (aprender a nadar), e entrar em formas
relacionais (aprender a cumprimentar, a mentir).
Desse modo, SCHNEIDER e BUENO (2005), além de
detectaram as difi culdades dos alunos em expressar
na linguagem escrita o que aprenderam na Educação
Física, enfatizam que os saberes abordados pela
Educação Física, projetam-se predominantemente
no domínio de atividades que demandam controle
e uso do corpo, bem como no domínio das formas
relacionais. Assim, não seria o caso de “indicar o
que os alunos não conseguiram defi nir como suas
aprendizagens em relação aos saberes compartilhados
pela Educação Física, mas pedir que demonstrem o
que sabem fazer com os objetos, ou quais atividades
sabem realizar” (SCHNEIDER & BUENO, 2005, p.40).
Em suma, nos termos colocados por CHARLOT (2000)
seria necessário passar de uma “leitura negativa” (o
que os alunos não sabem, o que não aprenderam,
no que falharam) para uma “leitura positiva” (o que
sabem, o que fazem, o que conseguem).
A produção bibliográfi ca em Educação Física Escolar
Para analisar as publicações em Educação Física
Escolar, utilizamos uma base de dados construída
por um dos autores deste artigo. Portanto, os dados
aqui apresentados são preliminares.
Selecionamos trabalhos publicados entre 2004 a
2008, em periódicos do campo da Educação Física,
classifi cados no Sistema Qualis na Área 21 da Capes.
Dos 710 periódicos nacionais enumerados na
referida Área 21, apenas 28 deles apresentavam na
sua política editorial espaço para a subárea de Educação
Física Escolar. Posteriormente, este número
foi reduzido para 11, tendo em vista que os demais
não atenderam ao critério de inclusão proposto
para esta pesquisa - periodicidade regular durante
110 • Rev. bras. Educ. Fís. Esporte, São Paulo, v.25, p.105-15, dez. 2011 N. esp.
BETTI, M.; FERRAZ, O.L. & DANTAS, L.E.P.B.T.
TABELA 1 - Frequência de estudos relacionados aos
ciclos de escolarização da educação básica,
do ensino superior, da formação continuada
e da educação de jovens e adultos.
* Um artigo pode abranger mais do que um ciclo de escolarização.
CICLOS No. de Estudos (%)
Educação infantil 28 (9,2%)
Ensino fundamental 87 (28,7%)
Ensino médio 30 (9,9%)
Ensino superior 39 (12,9%)
Formação continuada 24 (7,9%)
Educação de jovens e adultos 2 (0,7%)
Não defi nido 95 (31,4%)
Total * 303 (100%)
pelo menos quatro anos, acessibilidade “on-line”
ou no formato impresso na biblioteca da Escola de
Educação Física e Esporte da Universidade de São
Paulo. A partir desses critérios, foram selecionados
os seguintes periódicos:
1) Cinergis (UNISC) - Revista do Departamento
de Educação Física e Saúde de Santa Cruz do Sul;
2) Conexões (UNICAMP) - Revista da Faculdade
de Educação Física da Universidade de Campinas;
3) Motriz (UNESP) - Revista de Educação Física da
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho;
4) Movimento e Percepção (UNIPINHAL) -
Revista do Curso de Educação Física do Centro
Regional Universitário do Espírito Santo do Pinhal;
5) Movimento (UFRGS) - Revista da Escola de
Educação Física da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul;
6) Pensar a Prática (UGF) - Revista da Faculdade
de Educação Física da Universidade Federal de Goiás;
7) Revista Brasileira de Ciência e Movimento
(CELAFISCS e UCB) - Revista do Centro de Estudos
do Laboratório de Aptidão Física de São Caetano do
Sul e da Universidade Católica de Brasília;
8) Revista Brasileira de Ciências do Esporte - Revista
do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte;
9) Revista Brasileira de Educação Física e Esporte
(USP) - Revista da Escola de Educação Física e
Esporte da Universidade de São Paulo;
10) Revista da Educação Física (UEM) - Revista
brasileira da Escola de Educação Física da Universidade
Estadual de Maringá;
11) Revista Mackenzie de Educação Física e
Esporte - Revista da Faculdade de Educação Física
da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Foram encontrados nessas revistas 1.582 artigos,
classifi cados inicialmente em duas categorias: escolar
e não escolar. Em seguida, os artigos classifi cados
como escolar foram subclassifcados com base em três
critérios distintos: ciclos de escolarização, práticas
corporais investigadas e temas.
Uma classifi cação inicial para distinguir os trabalhos
específi cos de Educação Física Escolar foi feita por
um professor universitário envolvido com o ensino e
pesquisa nesse campo acadêmico e com experiência de
13 anos como professor de Educação Física Escolar. O
principal critério utilizado para discriminar os artigos
foi a natureza do objetivo da pesquisa explicitado no
resumo e/ou no corpo do artigo. O segundo critério
está baseado na distinção, já aqui mencionada, feita
por STENHOUSE (1985), entre pesquisa sobre educação
e pesquisa em educação. Dos 1.582 artigos publicados
nas revistas selecionados, 1.293 (82%) foram
classifi cados como “não Educação Física Escolar” e 289
(18%) como “Educação Física Escolar”. Esse resultado
era esperado, uma vez que todas as revistas possuem
um caráter “genérico”, isto é, possuem uma política
editorial voltada para divulgação de conhecimento
de um amplo espectro de subáreas da Educação
Física - Biodinâmica, Sociocultural e Pedagógica. A
única exceção é a Revista Movimento que tem uma
proposta editorial voltada exclusivamente para as
subáreas Sociocultural e Pedagógica. O resultado é
semelhante ao encontrado por ANTUNES, DANTAS,
BIGOTTI, TOKUOCHI, TANI, KUNDRAT e ANDRÉ (2005),
que utilizaram uma base de dados similar, porém
delimitando o período 1999-2003, e identifi caram
78,8% dos artigos como “não Educação Física Escolar”
e 21,2% dos artigos como de “Educação Física Escolar”.
Para os ciclos de escolarização partiu-se da proposição
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL,
1996) que estabelece: educação infantil, ensino fundamental,
ensino médio, educação superior (Capítulo
I - Dos Níveis e das Modalidades de Educação e Ensino
- Art. 21º.) e educação de jovens e adultos - EJA
(Capítulo 1, Seção V, Art.37º: “é destinada àqueles
que não tiveram acesso ou continuidade de estudos
no ensino fundamental e médio na idade própria”).
Além disso, incluíram-se, na análise, as categorias
“formação continuada” e “ciclo não defi nido”. No
caso da formação continuada foram consideradas
nesta categoria pesquisas que investigaram o período
após a formação inicial. A categoria ciclo não defi nido
refere-se aos estudos sobre Educação Física Escolar
que não especifi caram um ciclo de escolarização,
remetendo-se a educação básica em geral.
Os resultados da análise encontram-se na TABELA
1:
Rev. bras. Educ. Fís. Esporte, São Paulo, v.25, p.105-15, dez. 2011 N. esp. • 111
Educação física escolar
Frequência de práticas corporais
investigadas.
Os resultados indicam que a produção bibliográfi
ca distribui-se por todas as práticas, porém muito
concentradas (67%) no binômio “Jogo-Esporte”. De
certa maneira, tal concentração refl ete a tradição das
práticas pedagógicas da Educação Física Escolar em
nosso país. Contudo, também indica um descompasso
em relação às teorizações hegemônicas atualmente,
fundadas nos conceitos de cultura corporal (CASTELLANI
FILHO, SOARES, TAFFAREL, VARJAL, ESCOBAR
& BRACHT, 2009) ou cultura do movimento (KUNZ,
1991) , ou ainda cultura corporal de movimento
(BETTI, 2009a), que indicam à Educação Física Escolar
a necessidade de trabalhar uma diversidade de manifestações
culturais ligadas ao corpo e ao movimento.
Tal desequilíbrio pode ser visto como um indicador
da premência de estudos que contemplem as outras
Observa-se na TABELA 1 que os estudos estão
distribuídos por todos os ciclos, mas com forte
incidência no Ensino Fundamental de um lado, e
raros estudos na Educação de Jovens e Adultos - EJA.
Todavia, o EJA constitui uma demanda importante
de investigação, uma vez que nele estavam matriculados,
em 2010, 4,2 milhões de alunos (MEC, 2010).
Em relação a análise sobre as práticas corporais que
foram objeto de investigação, de um total de 283 artigos
analisados, 216 não se referiam a qualquer tipo
de prática. A seguir, conforme apresenta a TABELA
2, os 67 artigos que investigavam práticas corporais
foram submetidos a uma categorização amplamente
utilizada na recente literatura acadêmica e profi ssional
da área de Educação Física, a saber: jogo, esporte,
dança, ginástica, luta e outros. A diferenciação entre
as categoria “jogo” e “esporte” decorreu da existência
ou não de uma prática fortemente infl uenciada pelo
modelo do esporte formal-federativo. A categoria denominada
“outros” refere-se a manifestações como:
atividades circenses, “parkour”, “skate”, etc.
*Um artigo pode investigar mais de uma prática corporal.
PRATICAS CORPORAIS No. de Estudos (%)
Jogo 33 (40,2%)
Esporte 22 (26,8%)
Ginástica 10 (12,1%)
Dança 10 (12,1%)
Lutas 5 (6,1%)
Outros 2 (2,4%)
Total 82 (100%)
TABELA 2 -
manifestações (dança, lutas, ginástica e outras) sob o
risco, inclusive, de inviabilizar a implementação de
propostas curricular apresentadas em diversos Estados
e municípios brasileiro nos últimos anos.
Em relação aos temas investigados, os artigos de
“escolar” foram subclassifcados em seis categorias, ligeiramente
adaptado do que foi proposto por ANTUNES
et al. (2005). Estas são as categorias aqui propostas:
a) Finalidade - investigação sobre os fi ns, objetivos
e sentidos da disciplina Educação Física Escolar
(proposição, compilação ou análise das suas fi nalidades
e implicações);
b) Caracterização - descrição das aulas de Educação
Física, em suas dimensões física psicológica,
comportamental, histórica, social e etc., assim como
seus entrelaçamentos com aspectos individuais,
coletivos no contexto da escola e em contextos
sociais mais amplos. Essa categoria é representada
por pesquisas de cunho descritivo-interpretativo;
c) Didática - estudo dos fatores e métodos envolvidos
na otimização dos processos de ensino e aprendizagem;
d) Formação de professores - pesquisa sobre o
processo de formação de professores em todas as
suas modalidades;
e) Epistemologia - investigação sobre a natureza
do conhecimento do campo da Educação Física
Escolar, ou seja, o estudo dos postulados, conclusões
e métodos de pesquisa das diferentes subáreas do
campo da Educação Física Escolar;
f ) Indefi nido - investigações em que não é possível
identifi car um tema central, ou quando aparece
mais de um tema entre os anteriormente mencionados,
sem predominância identifi cável.
Em uma classifi cação ainda preliminar, a TABELA
3 apresenta a distribuição dos trabalhos pelos
temas no período em foco neste artigo (2004-2008),
comparando-o com período anterior (1999-2003),
conforme dados de ANTUNES et al. (2005), que
analisaram apenas seis periódicos (revistas), todas
elas incluídas no nossa própria análise.
TABELA 3 - Frequência dos temas investigados.
TEMA 2004-2008 1999-2003
Caracterização 171 (59%) 50 (39%)
Didática* 57 (20%) 15 (11,8%)
Formação de professores 23 (8%) 19(15%)
Finalidades 22(8%) 26 (20%)
Epistemologia 5 (2%) 5 (3,9%)
Indefi nido 5 (2%) 12(9,4%)
Total 283 (100%) 127 (100%)
* No estudo de ANTUNES
et al. (2005), denominada
“Processo Ensino-
Aprendizagem”
112 • Rev. bras. Educ. Fís. Esporte, São Paulo, v.25, p.105-15, dez. 2011 N. esp.
BETTI, M.; FERRAZ, O.L. & DANTAS, L.E.P.B.T.
O diagnóstico e análises que aqui empreendemos,
evidentemente não exaustivos, nos levam a apontar
algumas direções para que as investigações em Educação
Física Escolar tornem-se mais signifi cativas.
E por “signifi cativas” queremos dizer pesquisas que
delimitem suas problemáticas tendo como referência,
retomando as palavras de AZANHA (1990/1991,
p.66-7) “o jogo das complexas relações sociais” das
práticas pedagógicas da Educação Física, que de
fato busquem “descrever a formação dessas práticas
e dos seus correlatos (...) objetivados em mentalidades,
confl itos, discursos, procedimentos, hábitos,
atitudes, regulamentações, resultados escolares, etc.”
A primeira indicação é que o foco na “didática”
é estratégico, pois possibilita articular os diversos
temas de pesquisa em direção às práticas pedagógicas
concretas, diagnosticar equívocos e méritos
dos processos de ensino e aprendizagem vigentes, e
apontar novas possibilidades de intervenção. Dado
as especifi cidade de cada ciclo de escolarização, entendemos
como muito importante que as pesquisas
dêem suporte para a construção de didáticas específi
cas para a Educação Infantil e o Ensino Médio, que
tem sido preteridos, como também o EJA, em favor
do Ensino fundamental. Do mesmo modo, a literatura
didático-pedagógica ainda carece de enfoques
específi cos que orientem com maior qualifi cação
científi ca o ensino da luta, da ginástica e da dança.
Três aspectos chamam a atenção na TABELA 3:
o aumento dos estudos que buscam caracterizar aspectos
da realidade escolar, o aumento de estudos em
didática e a diminuição dos estudos com a temática
das fi nalidades da Educação Física.
Inicialmente, em relação aos estudos de orientação
descritiva (caracterização da realidade escolar)
o aumento dessa categoria deve ser visto com
cautela. Não sabemos se a maioria destes estudos
são “descrições compreensivas e interpretativas” ou
descrições superfi ciais. Outro aspecto importante
a respeito destas descrições é verifi carmos se estes
estudos permitem “em alguma medida relações com
a prática da educação”; ou seja, se são pesquisas “em”
Educação Física Escolar.
A duplicação da porcentagem de estudos com o
tema da didática pode ser um refl exo da crescente
reivindicação do campo profi ssional por subsídios
para a prática pedagógica (ver CAPARROZ & BRACHT,
Conclusões
A segunda diz respeito aos programas (currículos) de
Educação Física propostos em vários níveis das políticas
públicas de educação em nosso país. Tem sido comuns
as críticas endereçadas a estas propostas, no sentido de
que elas estariam ferindo as autonomias das escolas
e dos professores, ao supostamente padronizarem
conteúdos e desconsiderarem os contextos locais.
Sem menosprezar tais críticas, chamamos atenção
para a advertência de AZANHA (1990/1991,
p.68) sobre o tema, para quem “Os estudos sobre
políticas e reformas educacionais brasileiras têm
sido, sobretudo, monotonamente polêmicos ou até
mesmo julgamentos ideológicos”. A consequência,
entende o autor, é que, a cada nova reforma, não
há dados científi cos confi áveis sobre as repercussões
das reformas anteriores. Por isso, sugere então que
a pesquisa educacional dedique-se a compreender
as reformas “desde as decisões políticas que as
instituem legalmente, passando pelas providências
técnico-administrativas de vários níveis que as regulamentam,
até as práticas escolares que deveriam
implantá-las” (AZANHA, 1990/1991, p.69).
Nessa direção, também concordamos com BETTI,
DAÓLIO, VENÂNCIO e SANCHES NETO (2010), a respeito
das considerações que fi zeram sobre a Proposta
Curricular de Educação Física do Estado de São
Paulo (SÃO PAULO, 2008), implementada a partir de
2008 em cerca de 4.200 escolas públicas estaduais.
2007). Isto pode ser visto como os primeiros indícios
de uma resposta ao “atrofi amento” das pesquisas
em didática que a área experimentou nas últimas
duas décadas.
Nos últimos anos temos constatado a proposição
de inúmeros programas de Educação Física nos
sistemas públicos de ensino (municipal, estadual e
federal). De certa forma, houve um deslocamento
deste tipo de discussão do contexto acadêmico para
o contexto das políticas públicas. Isto pode ser uma
explicação para a diminuição dos estudos sobre as
fi nalidades da Educação Física Escolar. Esse esvaziamento
pode tanto ser visto com um avanço - uma
vez que no atual momento parece mais profícuo
investir em estudos que investiguem a implantação
desses programas - ou como um alerta, no sentido de
que houve um esgotamento do paradigma hegemônico
no debate, havendo necessidade de introdução
de novas perspectivas teóricas.
Rev. bras. Educ. Fís. Esporte, São Paulo, v.25, p.105-15, dez. 2011 N. esp. • 113
Educação física escolar
Para os autores, avaliar de modo consistente essa
proposta, ou qualquer outra proposta curricular,
exige investigar, de modo rigoroso, como os docentes
“lidam com propostas de mudança curricular, como
seus saberes profi ssionais intervêm nesse processo
[...] assim como, se, e em que direção, essas inovações
têm propiciado melhorias nas aprendizagens
dos alunos” (BETTI et al., 2010, p.126). Portanto, os
temas da autonomia dos professores e das escolas, dos
saberes docentes e da qualidade da aprendizagem dos
alunos deverão estar em relevo nas futuras pesquisas
em Educação Física Escolar.
A terceira e última indicação aponta para os
estudos sobre a formação do professor (licenciado)
de Educação Física que prosseguem sendo indispensáveis,
pois, a responsabilidade dos professores
nos empreendimentos educativos é diferenciada em
relação aos demais atores escolares, pois são os que
cotidianamente relacionam-se com os alunos e a eles
propõem modos de acesso à cultura, por meio dos
conteúdos escolares. Por isso, as investigações sobre
o projeto político pedagógico e o “currículo oculto”
das instituições de ensino superior são indispensáveis
para compreendermos como se dá a formação dos
licenciados, instância que, afi nal, põe os futuros professores
em contato inicial com os conhecimentos
científi cos e com as práticas profi ssionais da área.
E é apresentando um dado geral (e preocupante)
sobre a produção acadêmica nos cursos de doutorado
em Educação Física no Brasil que encerramos este
artigo. Segundo NASCIMENTO (2010), de 1994 a 2008,
as seis universidades que à época da realização do levantamento
contavam com o nível de doutorado na área
somaram 333 teses defendidas. A presença relativa da
Educação Física Escolar como temática dos trabalhos
é minoritária (6,3%) variando entre zero teses (USP,
UNESP/Rio Claro e UCB) e 16 teses (UNICAMP).
Se admitirmos que o doutorado é o nível de
formação que melhor habilita academicamente os
docentes para o exercício do ensino e da pesquisa na
educação superior, independentemente de qualquer
parâmetro de comparação quantitativo impõe-se
admitir que a pós-graduação em Educação Física
no Brasil pouco tem investido nas pesquisas em
Educação Física Escolar. Os fatores que levaram a
esta situação são inúmeros e complexos, e sua análise
foge aos objetivos específi cos deste artigo. Todavia, é
urgente revertê-la, sob pena de, a médio prazo, comprometer
a qualidade pedagógica da Educação Física
Escolar e assim minimizar, para relembrar nossas
palavras iniciais, a riqueza “dos sentidos culturais e
potencialidades de estimulação do organismo humano”
que este componente curricular pode oferecer à
formação das crianças, jovens e adultos.
Notas
1. SILVA, J.B.F. As relações entre o fazer e o compreender na prática da Educação Física. 1982. 161 f. Dissertação
(Mestrado em Educação Física) - Escola de Educação Física, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1982
2. Por exemplo, é possível caracterizar, na atualidade, manifestações como a capoeira, o “parkour” ou “le parkour” (e outras
modalidades dos denominados “esportes radicais” ou “esportes de aventura”), que questionam a tradição da Educação
Física, e só com certa difi culdade se deixam classifi car nas categorias pré-estabelecidas do jogo, esporte, luta, dança e
ginástica.
3. A “Era Vargas” refere-se a um período contínuo de 15 anos (1930-1945), em que Getúlio Vargas governou o Brasil.
4. Equivalente, hoje, ao segundo ciclo do ensino fundamental e parte do ensino médio.
5. STENHOUSE, L. Research as a basis for teaching. Londres: Heinemann Educational, 1985.
6. O destaque é nosso.
7. RYLE, G. Colleted papers. London: Hutchinson, 1971. v.2.; GEERTZ, G. A interpretação das culturas. São Paulo:
LTC, 1989.
8. Bernard Charlot, fi lósofo e pedagogo francês, foi professor da Universidade de Paris, atualmente radicado no Brasil, é
professor visitante na Universidade Federal de Sergipe.
114 • Rev. bras. Educ. Fís. Esporte, São Paulo, v.25, p.105-15, dez. 2011 N. esp.
BETTI, M.; FERRAZ, O.L. & DANTAS, L.E.P.B.T.
ANTUNES, F.H.C.; DANTAS, L.E.P.B.T.; BIGOTTI, S.; TOKUOCHI, J.H.;TANI, G.; KUNDRAT, F.; ANDRE, M.
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______. Lei nº 9.394, de 1º de dezembro de 2003. Altera a redação do art. 26, § 3o, e do art. 92 da Lei no 9.394, de
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Referências
Abstract
School Physical Education: present state and future directions
The aim of this paper is to characterize and discuss the School Physical Education as a profession and subarea
of research in the broader academic fi eld of Physical Education and educational research. To do that, it
initially defi nes the difference between research in School Physical Education from research about School
Physical Education, and point out the themes and research hypotheses for this subarea. It also analyses
289 articles characterized as research in School Physical Education, published in 11 Brazilian periodicals,
classifying them in the following categories: “level of schooling”, “bodily practice” and “theme”. The results
indicate that the majority of studies are carried out in elementary school, in “games” and “sports”, and in
descriptive and interpretative research in School Physical Education practices in several dimensions and
interrelations. In conclusion, it points to the need to a focus in the research in teaching, the implementation
of public curricula, and teacher education. Finally, it alerts to the need for Brazilian postgraduate programs
in the academic fi eld of physical education to invest more in research in School Physical Education subarea.
UNITERMS: Physical Education; Profession; Teaching; Scientifi c Research.
Rev. bras. Educ. Fís. Esporte, São Paulo, v.25, p.105-15, dez. 2011 N. esp. • 115